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Carta aberta a Fátima Campos Ferreira fica viral: “Deixou-te as chaves do lugar onde nunca deixará de estar”

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Fátima Campos Ferreira ficou viúva a 12 de Fevereiro. Manuel Rocha tinha 75 anos e faleceu em Lisboa.

Luís Osório escreveu na sua habitual rúbrica ‘Postal do Dia’ uma carta aberta à jornalista.

Leia na íntegra:

“O que quero dizer a Fátima Campos Ferreira no dia em que o seu marido partiu

1.

Estava a caminho das Correntes D’Escritas quando soube que Manuel Rocha tinha morrido.

E ontem, quando aplaudi o merecido prémio a Maria do Rosário Pedreira – e o olhar cúmplice de Manuel Alberto Valente, seu companheiro há longas jornadas – pensei em ti, Fátima.

Enviei-te uma mensagem e não quis incomodar. Faltou o abraço e dizer-te da minha única conversa com o Manel.

Eu tinha imensa vontade de falar sobre jornalismo e da sua experiência nos anos de ouro ou de prata da RTP, pedi-lhe conselhos, deixei desabafos.

Mas a ele só lhe apetecia falar de ti.

Do que gostava, do que te admirava, da mulher forte que eras, do teu sorriso, de seres tão bonita.

2.

Querida Fátima Campos Ferreira.

Não partiu apenas o teu marido, o teu amor discreto e tão presente.

Não partiu o jornalista de referência, o homem bom.

Partiu o que na única conversa que com ele tive, me confessou-que o seu maior privilégio eras tu, ter sido o escolhido por ti.

Fiquei de lágrimas nos olhos e um bocadinho invejoso – se há uma inveja boa, fiquei um bocadinho invejoso de coisas boas.

Falámos na altura em que acabaras de fazer o teu último Prós e Contras.

Da maneira como abriras a porta do debate televisivo às mais variadas pessoas – presidentes e estivadores, primeiros-ministros e presidentes de juntas, jovens e menos jovens, anónimos e reconhecidos, lambe botas e proscritos, analfabetos e catedráticos.

Da maneira como és assertiva sem nunca deixar de ser simpática. Como sabes controlar a maioria das conversas sem nunca parecer que o fazes. Do modo como fizeste brilhar convidados.

3.

E tua incrível capacidade de aguentar as invejas que não são boas. O que dizem nas tuas costas, os “cagões” que por aí andam sem obra, sem nada para mostrar, mas que se babam com maledicência e cinismo.

Eu a desejar ouvi-lo da sua carreira, mas ele só falava da tua, querida Fátima.

Eu a desejar que me dissesse se o jornalismo devia ser uma coisa ou outra coisa e ele a desabafar do que te estás a borrifar. Que a melhor maneira de definir um jornalista passava pela tua capacidade de não tratar ninguém de forma diferente, de abraçar nas palavras ou de questionar Eduardo Lourenço com a mesma sinceridade e justeza que abraças e questionas o motorista de camiões ou a senhora que acorda todos os dias ás quatro da manhã para ir limpar uma casa que não é a sua.

De respeitar as pessoas sem nunca esquecer de que a matéria de que são feitas é semelhante; somos humanos, somos o mesmo buraco sem fundo onde cabe o mundo e uma esquina de uma esquina.

4.

Era isso que te queria dizer, Fátima.

Não consegui ter uma segunda conversa, mas esta foi uma das mais reveladoras que tive na minha vida.

Reveladora de um homem discreto que te amava e te deixava brilhar colocando-se na sombra, apesar de ter tanta luz.

Ainda há uns dias escrevia sobre isso, sobre a enormidade de se dizer que por detrás de um grande homem há sempre uma grande mulher, o modo como se perpetua verdades convenientes para que as mulheres fiquem eternamente com o seu poder congelado na sombra.

O Manel não, o Manel soube ser chão para que tu brilhasses com rede. Para que nas noites más chegasses com vontade de ser abraçada, confortada.

Para que nos dias difíceis pudesses dizer o que não podes dizer a mais ninguém.

O Manuel não se importou nada de ser rede – queria lá saber que tivesse dirigido a informação da RTP ou de ter tido um papel decisivo na redação e na autodeterminação do jornalismo no Porto, o que era tudo menos um pormenor.

Queria lá saber, o Manuel vivia para ti, para te seguir, para estar, para te dizer, para te dizer sobre jornalismo, sobre as pessoas, sobre o que se dizia, sobre o que deverias ter cuidado.

Querida Fátima.

O amor da tua vida partiu.

O teu companheiro destes tantos anos.

A tua rede.

Mas bolas, quem não gostaria de ter uma pessoa assim à sua beira?

Agora é tempo de solidão, de beberes da ausência até à última gota e de voltares à vida.

Porque a rede continuará lá.

O Manuel partiu, mas deixou-te as chaves do lugar onde nunca deixará de estar.

Ainda hoje fechei os olhos e tentei recordar-me da sua voz.

Até lhe fiz uma pergunta sobre jornalismo.

E ele, antes que eu abrisse os olhos já se aprestava para falar dos vossos restaurantes, da vossa cumplicidade.

Um abraço muito forte, Fátima.

A morte do Manuel Rocha é também vida.

A vida que continuará a perdurar em ti”.

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